Hoje vamos contar um pouco da história de Maria Francisca da Silva, ou a Chica, como é conhecida por seus amigos e as demais internas. Durante algum tempo vamos manter uma potagem sobre a história de Eloísa, e uma sobre a vida da Chica. Assim vamos conhecê-las de uma forma um pouco mais profunda, e claro, aprender muito com elas.
Chica é natural de Ponte Nova, cidade perto de Viçosa, em Minas Gerais. Tem no currículo mais de 20 cursos, vários deles cursados no exterior. Você vai ler agora um trecho de um dos depoimentos que ela escreveu, no período que ficou cega, e depois quando foi atingida pela surdez. Com as outras postagens, vamos contando outras etapas da via de Chica, como foi a mudança pra Belo Horizonte, como perdeu alguns sentidos, e ainda as vitórias.
“Penso que fui uma criança muito feliz até os sete anos de idade, quando me surgiu um problema na vista. Tudo para mim era alegria e creio que os meus parentes eram felizes. Dizem que minha mãe teve 19 filhos, todos homens, os quais morreram ainda bebês, ficaram somente 3, e por último nasci eu que, por ser filha única, fui muito mimada.
Estudava em uma escolinha em Chopotó. Certa manhã, creio que eram férias de julho, amanheci com um olho vermelho e saindo água. Mamãe ficou muito preocupada, pois, além disso, vinha pondo sangue pelo nariz, à noite. Fez tudo quanto ensinaram a ela, na esperança de me ver curada, como por exemplo, colocar arruda em um copo de água no sereno e no dia seguinte banhar os meus olhos, colocar-me óculos escuros; dar-me banhos quentes com algumas plantas que já nem me lembro os nomes. Apesar dos cuidados de minha mãe, apesar das consultas médicas feita em Viçosa e Belo Horizonte, nada pôde ser feito.
Minha mãe adoeceu gravemente logo depois da minha cegueira, e meu pai teve que interromper o meu tratamento para poder tratar dela. As despesas eram grandes e ele mal dava conta de suportá-las. Infelizmente, o estado de saúde de mamãe se agravou e ela veio a falecer pouco tempo depois.
Foi uma fase dificílima para mim. Nós morávamos na roça e papai e meus irmãos saiam pela manhã e eram obrigados a me deixar só, trancada dentro de casa. As horas se arrastavam e o silêncio era assustador. O medo que eu sentia fazia com que eu tremesse e chorasse. Quando um deles chegava para me servir o almoço, eu respirava aliviada, para depois cair no mesmo sofrimento até que voltassem. Meu pai se afligia por deixar-me só e muitas vezes, mandava que um de meus irmãos fosse ver se eu estava bem.
Em fevereiro de 1955, com onze anos de idade, fui internada no Instituto São Rafael, em Belo Horizonte, onde também minha vida não foi nada fácil. Menina recém-chegada da roça, acostumada a viver sozinha, completamente ignorante das coisas da vida, passei a ser motivo de chacotas. Ao mesmo tempo em que gostava das novidades e de algumas companheiras, sofria nas mãos daquelas que não podiam compreender. Passei a viver de castigo por faltas que cometia e também pelas que eu não cometia. Vivia constantemente ameaçada de expulsão, o que, graças a Deus não aconteceu.
Em 1957, meu pai, que havia casado novamente, veio buscar-me para passar as férias com ele, conforme sempre fazia. Foi lá que, certa manhã notei que havia algo de errado com meu ouvido. Minha irmãzinha chorava no quarto ao lado e, no entanto parecia que seu choro estava distante. As pessoas falavam comigo e eu mal escutava o que diziam e daí surgiram mal entendidos e suspeitaram que eu fingia não escutar.
Ao voltar para o Instituto, continuou o sofrimento. Ninguém acreditava que eu não estivesse escutando bem e diziam que eu estava fingindo de surda. Foi um período dificílimo. Eu era considerada anormal, não sentia vontade de estudar, todos me xingavam, eu não recebia nenhum carinho, nenhum amor! Pouquíssimas pessoas me consideravam um pouco. Em casa, as coisas também não eram melhores. Assim foi-se 1958, que levou consigo meu pai. Em 1959, ouvia mal do ouvido direito e nada do esquerdo. Na aula eu só tirava zero, pois não entendia nada que a professora dizia e também ela se recusava a acreditar na minha surdez. Sofri incríveis tormentos até que, na noite do dia 16 de fevereiro de 1960, pedi que colocassem um remédio no meu ouvido direito, que doía e fazia barulho, e fui dormir. Ao acordar, percebi que alguma coisa muita estranha estava acontecendo. Falei e não escutei a minha voz. Percebi, então, que havia ficado completamente surda. Chorei muito. Levaram-me ao médico, mas, conforme me explicaram, ele havia dito que não tinha mais cura. Até hoje não compreendo porque duvidaram tanto de mim! Por que?
Iniciou-se ai um período longo e eterno de silêncio e solidão. Eu não havia nem ao menos completado a minha alfabetização, e repentinamente, vi-me obrigada a me comunicar através da escrita Braille.”
A história é simplesmente INCRÍVEL, não é mesmo? Em breve teremos outras postagens da história de Chica, escrita por ela mesma. Você não pode perder!!!